quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Já Rolou - Os Anatomistas de Babel


Em agosto, a Funbox Ludolocadora abriu as portas para o FERVO. E nessa edição, o jogo realizado foi Os Anatomistas de Babel, de Ygor Speranza (RJ).

Neste jogo, os participantes são excelentíssimos doutores na Universidade de Babel, que tentam juntos definir a correta disposição dos restos mortais de uma Criatura Odiada por Deus - um animal ainda fora de catalogação - formada por objetos comuns ou inusitados achados pelo espaço ou trazidos pelos jogadores. Além de sua anatomia e fisiologia, os doutores devem versar pareceres também sobre sua causa mortis.

Após cada doutor dar seu parecer, todos votam naquele de sua predileção. Com ares de As Extraordinárias Aventuras Barão de Munchausen (um "rpg" publicado no Brasil pela Devir, que na verdade é um larp), Os Anatomistas de Babel é um "jogo de imaginação" leve e bem humorado.

"Ontem teve um Larp divertido: Os anatomistas de Babel. Os excelentíssimos doutores chegaram a um veredito sobre os restos de uma criatura desconhecida até então: monstro marinho? Criatura mitológica? Espécie alienígena? Qualquer hipótese é plausível. Criatividade e diversão. Isso é FERVO." - Rafael Carneiro Vasques


COMO FOI

Os objetos foram parte levados para os participantes, parte selecionados ali mesmo no local. O corpo de doutores foi formado por 6 ilustríssimos representantes (os personagens de Guilherme Leandro de Cicco, Gustavo Barreto, Jorge D'Angelo, Luiz Falcão, Luiz Prado e Rafael Carneiro Vasques).

Alguns desses doutores demonstraram logo sua força de personalidade e idiossincrasias - seja alertar aos demais que os restos mortais poderiam ser contaminados, seja uma rabugice detectável a quilômetros. Ao longo do jogo, algumas relações foram espontaneamente se formando. Um revelava ser o aluno de outro na época de graduando. Outro, um colega de longa data. Outro ainda, uma rivalidade política dentro da Academia. Comentários elogiosos, falsa modéstia, orgulho, esnobismo... todos os sentimentos mais ou menos caricatos do fazer acadêmico deram as graças durante o jogo.

Os pareceres, alguns mais fluidos, outros mais inovadores, alguns mais longos... sucederam-se com certas intervenções e comentários, com sua ordem de exposição não previamente combinada. Enquanto a maioria dos doutores flertou com a ideia de ser um animal aquático, apelando ao mito ou à ciência, ou mesmo relacionando a nefasta criatura a sua própria trágica biografia, o último parecerista estava certo que não se tratava de algo desse mundo, mas de uma aberração de outro planeta ou dimensão.

Alguns objetos mantiveram razoavelmente a mesma função na fisiologia do animal, enquanto outros transformaram-se de presas em patas (ou em fetos!), de olhos a "uma pedra achada na localidade", de uma placenta fossilizada a um cérebro...

No final, o próprio critério de determinação da versão oficial foi questionado. Os mais conservadores e rigorosos não queriam aceitar a votação. Os mais jovens (por incrível que pareça), se apegaram a seguir os protocolos. Enfim, a votação foi realizada (para alguns, a contragosto) - mas pairou uma dúvida: a versão colocada como oficial nos autos foi realmente a mais criativa, ou a vaidade de alguns pareceristas ali presentes foi capaz de causar desvios ao Critério Máximo da Originalidade?

FEEDBACK

Neste FERVO, participantes acostumados com larp se uniram a outros mais familiarizados com outros tipos de jogos (estamos na FUNBOX, certo? Então boardgames!?). O descritivo do jogo não faz grandes considerações sobre a criação dos personagens que serão representados pelos jogadores, então, antes mesmo que começassem os pareceres, alguns jogadores já adicionaram, no improviso, relações entre os personagens, demonstrações efusivas de personalidade (na onda bem humorada do jogo) e observações cerimoniosas não sugeridas pelo manual - enquanto outros, um pouco mais tímidos, pareceram não ter tanta segurança para o improviso livre. Isso gerou um comentário durante o bate-papo final em torno da questão "o manual do jogo deveria dar mais orientações sobre como proceder sobre essa criação ou pelo menos deixar claro que os jogadores são livres para fazê-lo como melhor entenderem?".

Talvez porque houvessem alguns game-designers  presentes neste FERVO, m geral ligados a outros formatos de jogos e não familiarizados com esse tipo de larp, não faltaram sugestões de adaptações para o roteiro (um deles até fez um mod do jogo!). Entre todas as opiniões, sugestões e especulações, alguns versaram sobre a possibilidade de uma "ficha de personagem", sorteio de "especialidades" (como cientista) ou mesmo cartas de ação. Outros jogadores destacaram que não achavam nada disso necessário - sendo divertido no jogo justamente a leveza e o improviso.

Uma comparação das mecânicas de chiste em Barão de Munchausen e a ausência de mecânicas assim neste jogo acabou aparecendo. (Embora muito chiste, desafio e contestação tenha ocorrido de forma espontânea no jogo).

De uma maneira geral, todos esses comentários pareceram apontar que a maioria dos jogadores sentiram falta de mais dispositivos de interação no jogo. Mais mecânicas, mais possibilidades previstas. Como se concentra em dar e ouvir pareceres, ele poderia ser mais dinâmico se as regras dessem contas dessas intervenções, por exemplo. (Ou pode ser só insegurança de quem joga um jogo pela primeira vez).

Também não pareceu muito claro o momento exato de desfecho. Um dos jogadores acabou encerrando a representação assim que  votação foi decidida, outros pareceram sentir falta do roleplaying de encerramento da sessão. A maneira de iniciar o jogo, no entanto, foi combinado previamente entre os jogadores, O final, não. Mais uma vez, foi observado que a especificação de como esses momentos devem acontecer (ou lembrar aos jogadores de combinarem isso) poderia ser inserida no manual de jogo.

Ainda no que diz respeito ao manual - que é deliciosamente curto e de fácil leitura - alguns apontamentos foram no sentido de que poderia haver mais clareza, não só sobre o início e desfecho do jogo, mas sobre quaisquer pontos que podem gerar duplas interpretações, de modo que os jogadores comecem todos com a mesma ideia do jogo. Pontos nebulosos poderiam ficar ali esclarecidos.

Também, a sugestão de que o manual contivesse mais estímulos sobre a criação e/ou representação de personagens (algum direcionamento ou exemplos de como adicionar personalidade ao seu doutor ou como criar alguma relação entre os personagens dos vários jogadores)

Em resumo, o feedback:
- mais dispositivos de interação (mecânica ou apenas encorajamento para o chiste/ contestação);
- mais clareza no manual;
- mais estímulos à "criação de personagem" no manual;

Lembrando que o excesso de crítica destes excelentíssimos doutores que jogaram o jogo apenas uma vez pode sim estar cometendo alguma injustiça ao querer sugerir qualquer tipo de modificação a um jogo tão valioso.


ADD ON

"A pequena Raissa fez um desenho dos Restos Mortais do Monstro Odiado por Deus que o Impávido Corpo de Doutores e Doutoras Anatomistas avaliou ontem, em Os Anatomistas de Babel, na FunBox Ludolocadora.

Jogo do Ygor Speranza, promovido dentro do FERVO de agosto, ontem à noite!"


(Fotos na postagem: Rafael Carneiro Vasques e Jaime Daniel Rodríguez Cancela)

Um comentário:

  1. Espetacular! Me sinto honrado, de verdade. Anotei aqui todos os feedbacks e vou tentar incorporar, muitas das coisas ditas são bem verdade. Vocês são DEMAIS! :)

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